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17 de outubro de 2017 às 14:05.

O abastecimento de água em Manaus (Série 1960)

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A maioria daqueles que ainda hoje padecem com a falta de abastecimento de água em Manaus, desconhecem que esse é um problema crônico que já atravessou dois séculos.  No exato ano de 1880, por exemplo, era a mais importante reivindicação dos habitantes de Manaus e se constituía na maior preocupação do governo do presidente da Província, Sr. Satyro de Oliveira Dias. Oito décadas se passaram até que essa “herança maldita” – irmanada com a falta de energia elétrica – fosse o maior desafio enfrentado por Gilberto Mestrinho, em sua primeira passagem como governador do Amazonas (1959/1963).

Em 1961, dois fatores se apresentavam como críticos: o dramático quadro de abastecimento de água de Manaus e as incontáveis e frequentes queixas de prejuízos aos consumidores. Para minimizar o abastecimento de água, o governo Mestrinho instalou conjugados dinamarqueses das Centrais Elétricas de Manaus-CEM no bombeamento do Ismael. Em funcionamento, tais equipamentos impulsionariam o abastecimento de água para os reservatórios de Manaus e evitariam o risco de interrupção do bombeamento por falta de energia. Uma solução paliativa que ajudou a postergar o problema para o ano seguinte. O segundo fator era exclusivamente burocrático: a morosidade do então Departamento de Água quanto ao atendimento às solicitações de serviços de ligações.

A rede de abastecimento da cidade era precaríssima, para que se tenha uma pálida ideia, em 1962, os moradores da Rua Cosme Ferreira (Vila Mamão), no bairro de São Francisco, padeciam com a falta de água em suas residências, pois viviam de uma única torneira pública.  A reivindicação dos moradores junto ao Departamento de Águas era simples, mas continuava sem solução: uma derivação a partir do cano geral que passava em frente ao Sanatório Adriano Jorge. A execução da obra acabaria com o suplicio da lata d´água na cabeça desde as cacimbas e igarapés, ou o sofrimento nas longas filas que se formavam na única torneira pública existente. Apesar de simples a obra não foi priorizada.

Em 1963, Plinio Coelho sucedeu Gilberto Mestrinho no governo do estado. Diante da magnitude do problema, decidiu lançar uma campanha inusitada. Pedia para que a população de fumantes da capital amazonense, deixasse de consumir cinco cigarros por dia. O apelo pregava que o fumante que aderisse, economizaria o suficiente para pagar uma taxa de colaboração mínima mensal. O arrecadado seria destinado à manutenção dos serviços de água, tratamento, ampliação da rede aos bairros e ruas que não tinham água encanada. Evidentemente a campanha não teve sucesso e nada do que o governador pretendia foi realizado.

Para piorar o tenebroso quadro, no início de outubro daquele ano, a vazante do rio Negro foi grande e o racionamento inevitável. Assim, tal qual ocorrera em 1961, o Departamento de Águas voltou a improvisar e novamente fazer uso dos motores dinamarqueses, que supriam a energia elétrica do Bombeamento. Uma bomba complementar de sucção do rio para os decantadores também foi instalada, o que permitiu o fornecimento para a cidade de mais seis milhões de litros de água diariamente. Mas o recurso para atenuar o problema de nada adiantou, pois, a necessidade da cidade era de 45 milhões de litros diários.

No fim daquele mês, o colapso foi total e a capacidade de abastecimento caiu para cinco milhões de litros de água diários. Dessa forma, a sofrida população manauara teve que recorrer aos igarapés e às latas d´água na cabeça. Em todos os quadrantes da cidade formavam-se filas nas cacimbas. Os que podiam, recorriam aos igarapés e balneários, uma situação patética.

De fato, em 1965, a água já passava por tratamento (sulfato de alumínio, cal e floculadores), mas esse era insuficiente para que chegasse às torneiras livre de qualquer resíduo e apropriada para o consumo humano. Os primeiros passos para a solução do tratamento de água em Manaus foram dados durante o governo Artur Reis. A equipe responsável era composta por Aldyr Cajuhy, Geraldo Bezerra e Benjamim Benchimol.

No fim do mês de agosto, engenheiros especializados no assunto do Departamento de Águas do Estado da Guanabara realizaram estudos que permitiriam a plena realização dos serviços do processamento do tratamento de água. Além disso, a parceria previa o treinamento de engenheiros da empresa amazonense na Guanabara. Tinha-se a expectativa de que até fevereiro de 1966, Manaus já estivesse servida de água tratada. Pura fabulação.

Uma Concorrência Pública para a construção da nova estação de tomada d’água foi realizada. A abertura das propostas deu-se no dia 18 de janeiro de 1966. Participaram do processo licitatório as empresas ECISA e PLANENGE, a ECISA sagrou-se a vencedora.

Em outubro de 1967, agora sob o governo de Danilo Matos Areosa, foi sancionada a lei que fixava a participação financeira do governo do estado no orçamento de remodelação e ampliação dos serviços de abastecimento de águas de Manaus. A lei autorizava o governo do estado e o agora Departamento de Águas e Esgotos, a contratar firma brasileira de notória idoneidade, especializada em engenharia sanitária, para servir como consultor e fiscal durante a execução das obras, além de realizar operações financeiras com organizações nacionais ou internacionais, como mutuário ou fiador, até o montante de seis milhões de cruzeiros novos.

No dia 1º de fevereiro de 1968, ocorreu no Bombeamento o lançamento da pedra fundamental da construção do novo sistema de abastecimento de águas de Manaus. Além do governador Areosa, o evento contou com as presenças do ministro do Interior, Albuquerque Lima, e do ministro das Comunicações, Carlos Simas.

De todos os governadores daquela década, nenhum fez mais uso da publicidade da problemática do abastecimento de água quanto Areosa, especialmente ao longo dos anos de 1968 e 1969. Ele considerava um dos maiores empreendimentos levados a efeito na capital amazonense. Anunciava que quando o ano de 1970 chegasse, as obras estariam concluídas e Manaus passaria a contar com um moderno e eficiente sistema de abastecimento de água e com estação de tratamento. Propagandeava que a cidade inteira e seus bairros passariam a contar com uma abundância de água jamais vista. Anunciava a construção de cinco novos reservatórios em diferentes pontos da cidade, inclusive nos bairros, o que garantiria um funcionamento “normal e eficiente”. Manaus, portanto, substituiria um sistema obsoleto, construído no século XIX, quando Manaus tinha um pouco mais de 30 mil habitantes, por um novo e moderno.

Mas a propaganda maciça do fim do regime de conta-gotas era falaciosa e a população de Manaus voltava a penar com a falta d’água em suas torneiras. O uso do expediente de improviso fez-se necessário e a velha cantilena de lamento, responsabilizando a vazante do rio Negro, voltou.

As décadas subsequentes continuaram a apresentar problemas que vão desde o abastecimento e tratamento, até o saneamento básico, este último, desastroso. O mais recente relatório do Trata Brasil produzido com a GO Associados, põe Manaus entre os dez piores do País no Ranking do Saneamento Básico. O estudo foi baseado nos números do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico-SNIS, do Ministério das Cidades.

Publicado originalmente em www.idd.org.br

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